ESBOÇO HISTÓRICO

Dr.Juvanir Borges



A 5 de outubro de 1949 concretizava-se formalmente a unificação da família espirita brasileira, velho sonho acalentado por sessenta anos, desde os esforços inicias de Bezerra de Menezes. Precedera à Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro um Congresso Espirita Pan-Americano, que atraíra à antiga Capital da República muitos espíritas dirigentes de instituições estaduais.

A idéia de aproveitarem a ocasião para se dirigirem à Federação Espírita Brasileira nasceu simultânea e espontaneamente em diversas mentes, buscando-se uma fórmula de entendimento entre todos os espiritistas, que exprimisse as aspirações de fraternidade, preconizada nos ensinos evangélicos, e de organização livre e responsável das instituições espíritas, isenta de imposições e personalismos. Após entendimentos preliminares, foi marcado um encontro na sede da Federação, com sua Diretoria, ao qual compareceram os representantes das Federações e demais instituições estaduais.

O encontro ficou conhecido como Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, tendo sido lavrada a célebre Ata com os pontos essenciais sobre os quais se assentava o acordo da Unificação.Informou-nos um dos participantes do memorável acontecimento, signatário da Ata, que os representantes das entidades estaduais, expondo os motivos e as esperanças de todos, elaboraram um esboço que continha determinados princípios e fórmulas para a Unificação, quando foram surpreendidos pelo Presidente Antônio Wantuil de Freitas com um projeto de resolução por ele escrito um dia antes, no qual estavam atendidas todas as proposições dos representantes, acrescendo-se ainda outras não reivindicadas.

Essa circunstância proporcionou grande alegria a todos, facilitando os entendimentos e a concórdia, com a aprovação do projeto do Presidente Wantuil. O fato ocorrido demonstra que os espíritas, na sua grande maioria, já estavam preparados para o grande evento e que a Espiritualidade Superior, encontrando nos homens a sinceridade de propósito e a boa vontade de sufocar vaidades e personalismos, influía poderosamente para o triunfo do "amai-vos uns aos outros" entre os seguidores da Doutrina do Consolador, cultivada no País do Evangelho.O termos em que está vazada a Ata da Conferência são sintéticos e muito conhecidos dos espíritas. Impossível será, entretanto, descrever a emoção e a alegria vividas pelos presentes ao ensejo da feliz conclusão do acordo, alegria que encontrou ressonância nos corações dos espíritas sinceros, ao se espalhar a notícia do acontecimento por todo o Brasil.

Dentre as disposições contidas na Ata de 5 de outubro de 1949, pouco depois denominada "Pacto Áureo", em feliz expressão de Lins de Vasconcelos, um de seus signatários, estava a da criação do Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira, em novas bases, incumbido de executar, desenvolver e ampliar os planos da Organização Federativa em que se assentava a estrutura organizacional do Espiritismo no Brasil. Instalado e regulamentado logo no início do ano seguinte, o Conselho vem funcionando ininterruptamente desde então, prestando inestimável serviço à causa espírita, dirimindo dúvidas, fortalecendo os laços fraternos, orientando o Movimento, recomendando normas e diretrizes, aproximando instituições e contornando as incompreensões e imperfeições inevitáveis no mundo imperfeito em que vivemos.

É o "Pacto Áureo" a expressão mais lúcida de entendimento e concórdia entre cultores da Doutrina dos Espíritos, que podem divergir em pequenos e secundários pontos doutrinários, mas que não têm razão para fazer da divergência pomo de discórdia, de intransigência, intolerância e incompreensão. Dentro da tríplice abrangência da Doutrina, vastíssima em seu contexto, no qual se inscrevem os postulados da contínua evolução e da liberdade individual, precisamos todos entender que os espíritas não se poderiam grupar numa massa uniforme de adeptos, na qual não houvesse a menor discrepância.

A Doutrina é, sim, um só corpo, mas o estágio evolutivo de cada adepto determina-lhe a forma de compreensão dos princípios doutrinários básicos, de conformidade com o maior ou menor cabedal de conhecimentos, a bagagem carregada do pretérito e a tendência de cada um. Esse pensamento, fundamentado na índole e no gênio universalista do Espiritismo, ao lado dos sentimentos cristãos da tolerância e da fraternidade, que não podemos esquecer jamais, induz-nos a rejeitar a posição radical dos que procuram rotular os espíritas, com essa ou aquela tendência, de kardecistas e roustenistas, místicos e científicos, desde que todos, sendo espíritas, aceitam as bases da Doutrina e sua vinculação estreita com o Evangelho de Jesus.

Dentro dessa constante, será perfeitamente possível ao espírita assimilar a Doutrina, de acordo com seu estágio evolutivo, e praticá-Ia na medida de suas forças e tendências, esforçando-se continuamente por aperfeiçoar-se, rejeitando a intransigência e a intolerância, formas de coação espiritual incompatíveis com a fraternidade entre irmãos muito próximos.

O "Pacto Áureo" veio compatibilizar a vivência da Doutrina dentro do princípio da liberdade, sem exclusão do amor fraterno, tornando viável o que parecia inconciliável. Após sua vigência, todo o Movimento Espírita brasileiro conheceu nova fase de crescimento, de cooperação, de expansão.

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