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A prática mediúnica espírita

Marta Antunes
Trabalhadora espírita vinculada à Federação Espírita Brasileira desde 1980. Supervisora do programa “O Evangelho Redivivo” – Brasília (DF).

Em O evangelho segundo o espiritismo Allan Kardec destaca a importância da mediunidade como instrumento de comunicação entre os planos de vida e de comprovação da imortalidade da alma: 

[…] É com esse objetivo que os Espíritos se manifestam hoje em todos os pontos da Terra e a mediunidade se revela em pessoas de todas as idades e de todas as condições, nos homens como nas mulheres, nas crianças como nos velhos. […].1 

A mediunidade se expressa por meio dos médiuns, que são os:

[…] intérpretes encarregados de  transmitir aos homens os ensinos dos Espíritos; ou melhor, são os órgãos materiais pelos quais os Espíritos se expressam, tornando-se inteligíveis aos homens. Sua missão é santa, visto ter por objetivo abrir os horizontes da vida eterna.2 

Durante a manifestação dos Espíritos os médiuns se encontram num estado de alteração da consciência, usualmente denominado transe (ou crise, como se dizia no passado), de diferentes gradações, desde os níveis mais leves ou superficiais aos mais profundos. Nos transes superficiais, conhecidos por intuitivos ou “conscientes”, o médium tem consciência dos acontecimentos que transcorrem ao seu redor, no plano físico, durante a captação telepática das ideias transmitidas por um desencarnado. A intuição é a forma mais comum da mediunidade se exprimir, considerada inspiradora das ideias dos artistas, cientistas, estudiosos e das pessoas em geral.

Nos transes mais profundos, ditos sonambúlicos, mecânicos ou “inconscientes”, o médium alheia-se do meio onde se encontra durante a captação e transmissão da mensagem do Espírito comunicante. Terminado o transe, retorna ao estado de consciência anterior, sendo comum apresentar um certo grau de amnésia, pouco ou nada recordando do que foi transmitido quando ele se encontrava no estado de transe sonambúlico. Os transes situados entre os dois extremos  foram denominados de semimecânicos, sendo facilmente observados nos médiuns psicógrafos. 

O fato de a pessoa ser declaradamente médium, apresentando uma mediunidade produtiva de fácil intercâmbio com os Espíritos desencarnados, não significa seja ela considerada um bom médium. São coisas distintas. Esta a razão pela qual Kardec orienta que o bom médium é sempre um bom intérprete. Isto é, ele não interfere nas ideias transmitidas pelo Espírito comunicante, com ele estabelecendo sintonia e afinidades:

“[…] se não houver afinidade entre eles, o Espírito do médium pode alterar as respostas e assimilá-las às suas próprias ideias e inclinações. Porém, não exerce influência sobre os Espíritos comunicantes, autores das respostas. É apenas um mau intérprete.”3

A reunião mediúnica espírita deve ser séria, sob todos os aspectos e jamais utilizar práticas estranhas aos princípios ensinados pelo Espiritismo. Requer, assim, adequado preparo e cuidados por parte dos seus integrantes, tendo em vista os resultados e benefícios decorrentes da boa interação que deve existir entre as duas equipes de trabalhadores, a do Plano Espiritual e a do plano físico: “Uma reunião só é verdadeiramente séria, quando se ocupa de coisas úteis, com exclusão de todas as demais. […]”4. Nessas reuniões mediúnicas ocorrem comunicações sérias e instrutivas:

As comunicações sérias são dignas de atenção quanto ao assunto e elevadas quanto à forma. Toda comunicação que exclui frivolidade e grosseria e que tem em vista um fim útil, mesmo que seja de caráter particular, é uma comunicação séria, o que não significa esteja isenta de erros. Nem todos os Espíritos sérios são igualmente esclarecidos; há muitas coisas que ignoram e sobre as quais podem enganar-se de boa-fé. É por isso que os Espíritos verdadeiramente superiores nos recomendam sem cessar que submetamos todas as comunicações ao controle da razão e da mais rigorosa lógica.5 

Um ponto a ser considerado é que, ainda que as comunicações mediúnicas sejam sérias, faz-se necessário distinguir as verdadeiras das falsas: “[…] o que nem sempre é fácil, porquanto é graças à própria gravidade da linguagem que certos Espíritos presunçosos ou pseudossábios, procuram impor suas falsas ideias e os mais absurdos sistemas. […]”6. 

Trata-se de situação desafiante, considerada uma das maiores dificuldades relacionadas à prática mediúnica espírita. Os Espíritos que assim procedem, usualmente associados a médiuns imprudentes, não revelam escrúpulos em atribuir suas mensagens a Espíritos  Superiores e veneráveis.

As comunicações instrutivas transmitidas nas reuniões mediúnicas espíritas […] são comunicações sérias que têm como principal objetivo um ensinamento qualquer, dado pelos Espíritos, sobre as ciências, a moral, a filosofia etc. São mais ou menos profundas, conforme o grau de elevação e de desmaterialização do Espírito. […] Os Espíritos sérios se apegam aos que desejam instruir-se e os ajudam em seus esforços, deixando aos Espíritos levianos a tarefa de divertirem os que só veem nas comunicações uma forma de distração passageira. É somente pela regularidade e frequência daquelas comunicações que se pode apreciar o valor moral e intelectual dos Espíritos com os quais nos comunicamos. Ora, se é preciso experiência para julgar os homens, de muito mais habilidade necessitamos para julgar os Espíritos.7 

A prática mediúnica segura é, necessariamente, séria e instrutiva; mas, para que assim se desenvolva, é necessário que a Casa Espírita disponibilize condições de formação doutrinária espírita básica ao futuro trabalhador, que é adquirida nos estudos regulares do Espiritismo e da mediunidade:

Como regra geral, o principiante espírita é encaminhado ao grupo mediúnico, após concluída a sua formação básica, desde que ele apresente condições psíquicas e emocionais propícias. Contudo, deve-se considerar que, para toda regra, há exceção, o que exige bom senso e capacidade de decisão por parte dos que coordenam a atividade na Casa Espírita. Há situações, por exemplo, em que o médium iniciante pode, concomitante com a aquisição de sua base doutrinária evangélico-espírita, integrar-se a um grupo mediúnico. Nessa situação, ele é acompanhado de perto, a fim de que a sua formação espírita não seja descurada.8 

A base doutrinária espírita é fundamental para os que desejam participar das reuniões mediúnicas no Centro Espírita, médiuns ou não. É importante considerar que, além da imprescindível formação espírita básica, o futuro tarefeiro deve possuir harmonia emocional e demonstrar ter compromisso e responsabilidade na realização da tarefa e de integração no Centro Espírita.9

Compromisso é um acordo, trato ou obrigação de fidelidade, espontaneamente assumido consigo mesmo e/ou com outrem. Caracteriza respeito a determinados princípios morais e  doutrinários. Responsabilidade implica assumir as consequências das próprias escolhas e/ou compromissos assumidos, agindo de forma ética e moral. 

A responsabilidade pode ser individual ou coletiva. Emmanuel esclarece a respeito: 

Sem noção de responsabilidade, sem devoção à prática do bem, sem amor ao estudo e sem esforço perseverante em nosso próprio burilamento moral, é impraticável a peregrinação libertadora para os Cimos da Vida.10

Ainda que a reunião mediúnica espírita esteja sob a coordenação e organização dos Espíritos orientadores, merecem atenção os cuidados quanto à composição da equipe dos encarnados, inclusive a seleção dos dirigentes, os quais devem estar suficientemente esclarecidos a  respeito da natureza do trabalho, como ensina Léon Denis:

A constituição dos grupos […] comporta regras e condições cuja observância influi consideravelmente no resultado a alcançar. Conforme o seu estado psíquico, os assistentes [participantes] favorecem ou embaraçam a ação dos Espíritos. Enquanto uns, só com sua presença facilitam as manifestações, outros lhes opõem um quase insuperável obstáculo.11 

Trata-se de um assunto que deve ser seriamente considerado pelos dirigentes das casas espíritas e dos grupos mediúnicos, prevenindo-se de futuros dissabores. Devem sempre ter em vista que:

Uma reunião é um ser coletivo, cujas qualidades e propriedades são a resultante das de seus membros, formando uma espécie de feixe. Ora, quanto mais homogêneo for esse feixe, tanto mais força terá. […]. […] Toda reunião espírita deve, pois, buscar a maior homogeneidade possível. Estamos nos referindo, naturalmente, àquelas em que se deseja chegar a resultados sérios e verdadeiramente úteis. Se o que se quer é apenas obter comunicações, sejam estas quais forem, sem nenhuma atenção à qualidade dos que as deem, evidentemente tais precauções se tornam desnecessárias, mas, então, ninguém deve se queixar da qualidade do produto.12

Em suma, os bons frutos colhidos na prática mediúnica espírita resultam do labor sério e integrado da equipe de trabalho dos dois planos de vida, conforme critérios básicos assim resumidos por Manoel Philomeno de Miranda:

  • harmonia do conjunto;
  • elevação de propósitos;
  • conhecimento doutrinário;
  • concentração;
  • conduta moral sadia;
  • equilíbrio interior dos médiuns e doutrinadores (dialogadores);
  • confiança, disposição física e moral;
  • circunspecção;
  • médiuns adestrados, atenciosos e disciplinados;
  • lucidez do preposto para o diálogo;
  • pontualidade.13

 

REFERÊNCIAS:

NB[1] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 13. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 28, it. 9.

NB[2] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 13. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 28, it. 9.

NB[3] KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9.imp. Brasília, DF: FEB, 2022. 2a pt., cap.19, it. 223, q. 7.

NB[4] KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. 2a pt., cap. 29, it. 327.

NB[5] KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. 2a pt., cap. 10, it. 136. 

NB[6] KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. 2a pt., cap. 10, it. 136. 

NB[7] KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. 2a pt., cap. 10, it. 137.

NB[8] MOURA, Marta Antunes de Oliveira. (Org.). Orientação para a prática mediúnica espírita no centro espírita. 1.ed. Brasília, DF: FEB, 2023. cap. 5 – A prática mediúnica segura. 

NB[9] MOURA, Marta Antunes de Oliveira. (Org.). Orientação para a prática mediúnica espírita no centro espírita. 1.ed. Brasília, DF: FEB, 2023. cap. 5 – A prática mediúnica segura.

NB[10] XAVIER, Francisco Cândido. Nos domínios da mediunidade. Pelo Espírito André Luiz. 36. ed. 14. imp. Brasília, DF: FEB, 2021. Raios, ondas, médiuns, mentes… [prefácio de Emmanuel].

NB[11] DENIS, Léon. No invisível. Trad.Leopoldo Cirne. 26. ed. Brasília, DF: FEB, 2022. 1a pt., cap. 10 – Formação e direção dos grupos. Primeiras experiências.

NB[12] KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. 2a pt., cap. 29, it. 331.

NB[13] FRANCO, Divaldo Pereira. Grilhões partidos. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. 16. ed. 1. imp.Salvador, BA: LEAL, 2019. Prolusão, it.1, p. 13 a 17.


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